Domingo, 30 de Setembro de 2007
A noite de Sexta para Sábado trouxe uma viragem de ciclo no PSD. E, sem dúvida, vai trazer uma revolução à postura da oposição.
Tenho para mim, porém, que a revolução será positiva para o PSD. Luis Filipe Menezes abandonou nos ultimos dias da candidatura aquela postura de "falo e penso depois", de pessoa intempestiva e pouco serena (acredito piamente que a linguagem conflituosa dos ultimos dois dias de campanha fora programada... e com sucesso!).
Menezes sabe que a partir de agora terá de ter outra postura, cultivar uma imagem diferente, romper com os estigmas que a sua imagem provoca na opinião pública portuguesa. Só assim ganhará o partido até 2009. parece contraditório mas não é: o PSD é um partido de massas, apenas se contentará com um líder que seja respeitado geralmente pela sociedade portuguesa.
Não sendo concerteza capaz de abandonar o populismo que lhe circula nas veias, não terá a postura que a maior parte das pessoas pensa que terá. Será mais interventivo (aliás, é exactamente isso que os militantes querem!) mas não será uma "peixeira".
Jogar-se-á muitissimo do seu mandato na escolha da direcção nacional e da liderança da bancada parlamentar. Uma coisa no entanto acho certo: o velho Menezes acabou. Sócrates com esse não se tinha que preocupar. Com este não sei...
Quarta-feira, 26 de Setembro de 2007
- Não sejamos hipócritas: a situação das quotas no PSD mostra o funcionamento podre dos partidos portugueses. De todos. Chegou-se a uma situação de inversão da famosa (na politica portuguesa) lei de Gresham aplicada à politica: os maus politicos, por sistema, acabam por expulsar os bons politicos e limitar a discussão e a participação cívico-politica a meia dúzia de interesseiros por secção. Romper com o sistema, numa atitude irreverente, como sempre tiveram os jovens socialistas, é uma obrigação da nossa geração!
- Pedro Santana Lopes foi ontem, em entrevista à SIC Noticias, interrompido de uma maneira completamente lamentável por imagens não editadas da chaegada de José Mourinho a Lisboa. Perante o abandono da entrevista, com muita classe, do ex-Primeiro-Ministro, Ricardo Costa vem classificar este acto como inusitado e desproporcionado. Esquece-se é que não foi apenas a PSL que desrespeitou mas aos muitos espectadores que o queriam ouvir e se estavam borrifando para Mourinho!
- Foi muito importante a temática do "regressado" Jovem Socialista. Ao dedicar uma edição completa ao tema da Homofobia numa altura em que o Secretariado Nacional tomou a (inevitável) decisão de adiar esse combate, a JS mostra que os seus legítimos critérios politicos não fazem esquecer um combate que tem de ser de todos e de todos todos os dias.
Rankings
No dia em que volto à "postagem" regular e habitual neste meu/vosso sítio, qual é a grande notícia do dia? A pequena Esmeralda fica, agora, em virtude de um acordão proferido pelo Tribunal Relação de Coimbra, à guarda do papá biológico.
Com esta introdução seria, no mínimo, expectável que tecesse "Cordeiricos" tratados sobre a "escandalosa" actuação do juiz e do tribunal. Leitores...esqueçam, não sigo por aí. Primeiro que tudo, para novelas há a TVI. Segundo, não há necessidade de analisar um processo desta indole, na medida em que a única coisa que posso lamentar é a lei que temos e a lei não é o processo em si.
Então, tendo isto tudo em linha de conta, avance-se para um tema alternativo.
Um périplo pelas ondas noticiosas desse todo que é o sistema da rede, fazem-me deparar com este novíssimo dado: Portugal desceu para a 28º posição no índice da corrupção.
É para ficar feliz. Porquê? Veremos.
Vamos por partes: por esta altura, no ano passado, ocupávamos o 30º lugar do mesmo índice. Aplaudam. Depois, "vão a jogo", ou seja, estão incluídos no "ranking", 179 países. Nota: estamos acima da tabela! Além disso, há que fazer uma breve referência: estes dados resultam do relatório da Transparência Internacional, empresa sedeada em Berlim.
Já se ri, leitor?
Claro que a governação dá sinais de sucesso nestes pequenos dados. Óbvio que são boas notícias. Mas, ao ler isto, o cidadão mais atento pergunta: mas isso traduz-se em quê? A justiça é melhor? A máquina administrativa é mais célere? Os poderosos não estão acima da lei?
O que é isto?
O que é subir dois lugares num ranking destes?
O que é ser "menos corrupto que..."?
Agora que passam algumas semanas desde a rentree política, não será má ideia explicar no que vai consistir a segunda metade da administração Sócrates. Os sinais de mudança positiva são fortes. Haverá continuação e, mais importante, superação?
Portugal exige o melhor de quem governa. O trabalho tem de continuar.
Terça-feira, 25 de Setembro de 2007
Seringas nas prisões?
O governo quer implementar um progama de troca de seringas nas prisões. Contra ou a favor deste programa diversas vozes se levantaram. Por mim, penso ser necessário ponderar as virtudes e defeitos deste projecto, antes de formar uma opinião sobre o mesmo.
Como desvantagens podem referir-se a insegurança que poderia gerar nas prisões, nomeadamente entre os guardas prisionais; o facto de ao adoptar este programa o governo estar implicitamente a assumir que circulam drogas em ambiente prisional e a “incentivar” o consumo destas, não dando cumprimento ao objectivo de prevenção especial positiva que deve estar associada à restrição da liberdade de uma pessoa
A principal vantagem deste programa seria a dimunuição da propagação das doenças infecto-contagiosas em ambiente de reclusão.
Ao analisar as desvantagens percebe-se que estas são meramente aparentes.Senão vejamos. Ninguém daria uma seringa a um recluso sem controlar o seu uso e inutilização, evitando assim uma sensação de insegurança que, caso contrário, se poderia gerar nas cadeias. Não é uma medida de incentivo ao consumo pois nos estabelecimentos prisionais onde será implantada a título experimental, também existem programas de desincentivo ao consumo de droga. O objectivo de prevenção especial positiva também não seria afectado por esta medida, porque a prevenção especial positiva em Portugal quase não existe, salvo raras excepções, nas prisões, tendo a pena um objectivo unicamente retribuitivo.
Desde sempre o povo disse “não há nada melhor do que ter saúde” e este fim seria alcançado por esta política.
Por tudo isto, sou a favor do programa de troca de seringas nas prisões.
Parece, contudo, que o ministro António Costa retardou a entrada em vigor do programa. É pena. Espero que este , mais tarde ou mais cedo, se concretize.
Segunda-feira, 24 de Setembro de 2007
Foi aprovada, há relativamente pouco tempo, no plenário da Assembleia da República, a proposta de alteração na legislação referente às Ordens profissionais.
Esta proposta faz parte do programa do Governo do PS.
A alteração mais profunda será, certamente, o facto de deixar de existir exames de acesso à profissão. As Ordens serão, pois, obrigadas a aceitar todos os licenciados. Mais, não serão permitidos númerus clausus, nem a acreditação, pelas associações profissionais, de cursos oficialmente reconhecidos.
Cedo vozes discordantes se lançaram contra as alterações, que englobam também a possibilidade de o Governo impugnar as normas e os regulamentos de funcionamento das Ordens profissionais. Dizem que não é uma boa medida. E não é.
É uma excelente medida!
A nenhuma pessoa deve ser vedada o acesso a ter a profissão que pretende depois de tirar um curso superior nesse sentido.
Estuda-se, paga-se para estudar, estuda-se mais e acaba-se o curso. Festeja-se. Depois estuda-se, paga-se e estuda-se ainda mais para entrar numa Ordem que nos vai permitir ter a profissão para a qual estudámos para toda a vida. Muito obrigado, Ordem!
Na minha opinião, deve-se também aproveitar a alteração legislativa para proceder à (tentativa de) uniformização do regime jurídico para todas as Ordens Profissionais.
Apenas porque sou a favor da existência de Ordens.
Ordens que impeçam a entrada de novos profissionais? Não.
Ordens que se julgam no direito de indicar quais as instituições de ensino superior melhor credenciadas e com melhor qualidade? Não.
Ordens cujo único interesse é um aparente incremento da dificuldade de acesso, permitindo, na realidade, um encaixe financeiro que interessa a alguns? Não.
Lobbies, perdão, Ordens que avoquem poderes que extravasam as suas competências? Também não.
Mas apoio Ordens que defendam os interesses de cada profissão e dos seus profissionais, que chamem à atenção para as necessidades do mercado de trabalho ou da oferta de ensino, que incentivem a investigação e fomentem a organização (e a participação) em eventos das profissões a que se referem. Que ajudem o Estado na sua função de regulação (e no seu sentido de descentralização) e fiscalização das próprias condições de trabalho.
Veja-se, a título exemplificativo, a Ordem dos Advogados.
Estuda-se Direito durante 5 anos e efectua-se um estágio prático de 3 anos num escritório de advogados.
Qantos exames fizemos nós durante esse tempo? E quantas vezes fomos postos à prova?
Centenas de vezes. E entretanto vem um senhor farto dizer que, para eu poder ser advogado, ainda tenho que prestar provas!
Quinta-feira, 20 de Setembro de 2007
- José Sócrates veio publicamente desmentir alguns dos casos rapidamente mediatizados provocados pela entrada em vigor do novo Código de Processo Penal. Foi importante ser o Primeiro-Ministro a fazê-lo e não qualquer gabinete de comunicação ou assessor de imprensa. É aos dirigentes que cabe dar a cara nos momentos de maior agitação social, nem que esses momentos sejam provocados por irresponsabilidades grotescas por parte da comunicação social portuguesa.
- Foi de facto decepcionante ver na inauguração de um centro escolar um padre e perante ele o Primeiro-Ministro de Portugal benzer-se. Simplesmente não devia ter acontecido nem uma coisa nem outra. Mas pior que tudo é o alarido enorme na blogosfera em volta desse facto, esquecendo completamente o que levou ali José Sócrates: a reestruturação de uma rede local de escolas, resultado da já esquecida por pais e alunos (depois de vistos os resultados) "politica do encerramento de escolas" com 3 ou 4 alunos.
- O acordo em Lisboa entre o BE e o PS não é bom nem mau: é uma caixa fechada que se abrirá aos poucos até 2009. Terrível mesmo é o aproveitamento de tal acordo pela JSD para lançamento de um cartaz parodiando o que o BE havia feito criticando o silêncio do Governo quanto ao referendo do Tratado Europeu. Ainda por cima porque deles bem que podia constar Marques Mendes...
- 2ª Feira começarão as aulas na Faculdade de Direito de Lisboa. Felicidades a todos os caloiros nesta nova casa e bom ano académico e politico para todos vós/nós.
Segunda-feira, 17 de Setembro de 2007
Após algum tempo de ausência devido a férias da faculdade, trabalho e exames e em Setembro, retomo a palavra para falar de burocracia.
Desloquei-me há um ou dois meses à secretaria da FDL para saber o que era necessário para pedir o estatuto trabalhador-estudante. Uma declaração da entidade patronal e outra da Segurança Social. Muito bem.
Se um aluno também trabalha significa que tem menos disponibilidade para se deslocar de um sítio para outro, tratar de papelada. Ou pelo menos, deveria significar.
No trabalho pedi essa declaração à Coordenação, que encaminhou o pedido para os superiores responsáveis para quem trabalho, cujas caras nunca vi. Fiquei à espera.
Como a declaração tardava em chegar, dirigi-me de novo à Secretaria com o contrato de trabalho, com TODOS os recibos de vencimento recebidos até ao momento e com o documento da Segurança Social que recebi, a confirmar a minha inscrição como trabalhador à conta de outrem.
Infelizmente não chegava.
Um contrato de trabalho assinado e carimbado pela empresa e os recibos de vencimento com as datas e especificação dessa mesma empresa não chegam para provar que estou lá a trabalhar.
O documento da Segurança Social também não podia ser aquele.
"Procedeu-se ao enquadramento de V. Exª. no regime dos Trabalhadores por conta de outrem.
Nome da Entidade empregadora: (...)", é o que lá vem escrito. Mas não chega para provar que trabalho para aquela Empresa e que estou inscrito na Segurança Social.
Assim, apanhei um táxi e desloquei-me ao Instituto de S.S. do Areeiro. Só fechava às 16h30m e cheguei duas horas antes. A essa hora já não havia mais senhas, o que significava que mais nenhuma pessoa seria atendida se chegasse após essa hora.
Sabemos de antemão que quando nos deslocamos a estes sítios vamos perder tempo. É normal que assim seja e já não é de agora. É transcendente a qualquer cor político-partidária. Razões? Algumas são simples. Muitas das pessoas que se deslocam à SS foram mal encaminhadas. Teriam de ir primeiro às finanças ou a outra delegação pública. Perdem tempo e fazem aumentar a fila de espera. Além disso, as pessoas por trás dos balcões de atendimento preocupam-se em dar a resposta correcta, mas em celeridade e simpatia a preocupação é outra.
Incrédulo e com menos 4euros na carteira, apanhei o metro e saí a correr com a mala às costas para outra delegação da S.S. na Alameda.
Felizmente ainda existiam algumas senhas, naquele momento bem mais valiosas do que ouro. Esperei uma hora para ser atendido, até tinha pensado que esperasse mais.
Mas não fez mal porque, naquele momento, com a senha na mão, para qualquer trabalhador-estudante que ali estivesse, os relógios tinham parado de contar.
Passado uns dias chegou a declaração da entidade patronal. Fui à secretaria da FDL e lá lhes entreguei:
- Uma folha A4, que podia ter sido feita no meu computador, da entidade patronal a indicar que trabalho para eles;
- Uma declaração da S.S. a indicar que estou inscrito como trabalhador por conta de outrem para aquela empresa.
E nesse momento uma estranha sensação de dejá vú apoderou-se de mim. Já não tinha estado eu na secretaria com uns documentos assim?
Domingo, 16 de Setembro de 2007
Na sondagem do site do NES com a pergunta "Qual a tua posição sobre o Novo Regime das Instituições de Ensino Superior?" obtiveram-se os seguintes resultados:
Concordo genericamente mas com algumas discordâncias pontuais - 21 votos (20%)
Concordo na generalidade mas com grandes discordâncias pontuais - 21 votos (20%)
Discordo na generalidade mas reconheço algumas vantagens - 24 votos (22%)
Discordo em absoluto - 39 votos (38%)
Não deixes de votar na nova Sondagem "O que achas do documento que enuncia as prioridades politicas da JS para este ano?" em www.juventudesocialista.org/nucleofacdireitolx .
Quinta-feira, 13 de Setembro de 2007
Todos os meses será nesta rúbrica revelada uma pequena biografia politica de grandes figuras da esquerda. Uma pequena homenagem a grandes homens e mulheres.
Mês de Setembro: Carlos Brito.
Carlos Alfredo de Brito nasceu em Lourenço Marques, actual Maputo, capital de Moçambique no ano de 1933. Vindo para Portugal apenas aos dois anos, com familiares no campesinato algarvio e no operariado lisboeta, cedo se tornou contestatário do regime salazarista: em 1951 adere ao MUD-juvenil e em 1953 ao Partido Comunista Português.
Preso durante 7 anos no Aljube, Caxias e Peniche, onde foi duramente torturado e interrogado, sai em 1966 para se dedicar clandestinamente, enquanto funcionário do Partido, a acções de propaganda contra o regime. Um dos operacionais do PCP no ramo militar, teve um papel especial na mobilização do Partido para o 25 de Abril.
Depois do 25 de Abril foi eleito Deputado pelo PCP e líder parlamentar. EM 1980 candidata-se às eleições presidenciais mas acabaria por desistir a favor de Ramalho Eanes. Foi Director do Avante e colaborador do República.
Em meados da década de noventa insurge-se contra o rumo rigidamente marxista-leninista do PCP e é hoje a cara mais visível dos ditos "renovadores". Descontente com o rumo do Partido, Carlos Brito foi suspenso pelo C0mité Central em 2002 e "auto-suspendeu-se" em 2003.
Poeta e autor de alguns romances, foi distinguido pela Presidência da República com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique pela sua actividade politica mas também pela sua coragem na eterna luta pela democracia.
- É curioso perceber como partidos politicos da oposição bem como comentadores politicos de vários meios de comunicação social invocam a promessa de há dois anos do PS em realizar um referendo sobre a Constituição Europeia como meio necessário (ou mesmo indispensável) para gerar um profícuo debate na sociedade portuguesa. Mas alguém já os ouviu a tecer considerações sobre o assunto? Propostas? Alternativas? Pontos de vista?
- Não querendo mesmo nada parecer o Prof. Marcelo, permitam-me porém aconselhar-vos um livro de excelência (não tanto pela forma mas pelo conteúdo): Foi Assim, de Zita Seabra. Muitos dos relatos são impressionantes, muitos histórias de coragem, convicção e devoção ideológica. Nada comparável, no entanto, à perfeita percepção com que ficamos (transmitida por alguém que nessa altura estava já ao mais alto nível do Partido) de que o PCP acreditou até bem depois do 25 de Abril e do 25 de Novembro que uma revolução comunista era necessária e se impunha como "o passo seguinte". A questão é: é isso que continua a ser a doutrina comunista portuguesa e o seu objectivo? Se sim, mau... acabar com uma democracia como a actual utilizando todos os métodos necessários a instituir uma ditadura do proletariado acho que não é algo que Portugal deseje. Se não, "péssimo"... o que é o Partido Comunista Português e para que existe enquanto tal?
- O novo sistema de crédito a estudantes universitários é uma medida com um alcance inimaginável à primeira vista: permite, mais que responsabilizar o estudante pelo seu percurso académico (argumento mais evidenciado), dar a oportunidade a muitos jovens, que nunca imaginaram terem oportunidade de suportar econimicamente uma licenciatura, de tirar um curso e lutar por um emprego, livre das amarras soció-económicas que o liberalismo ainda não consegue admitir que existem em todas as sociedades democráticas. O que a JS vai ter de continuar a defender, até para se diferenciar da JSD que também há muito defende este sistema, é uma actuação eficaz da acção social. Só as duas em conjunto (acção social forte + novo sistema de créditos) poderão ser consideradas uma vitória socialista.
Sexta-feira, 7 de Setembro de 2007
O quarto mundo ou as calças de bombazina cinzento antracite
- Ó menina, veja lá se me arranja assim umas calças de bombazina cinzentas, mas cinzento antracite que de cinzento rato não gosto!
Olhei para ele com olhos incrédulos. Aquele homem, cuja maior preocupação naquele momento deveria ser arranjar uma forma de não morrer gelado no frio cortante das noites de Dezembro da capital, queria umas calças de bombazina cinzentas. Cinzento antracite. Ele já não era novo. Sabe-se lá se passaria daquele Natal. Aquele era um dos Natais mais frios de que havia memória até então na cidade que me vira nascer e que, ao que tudo indicava, veria aquele sem-abrigo morrer em breve. De frio. A insistência estridente da sua voz pôs fim aos meus devaneios.
- Ó menina, veja lá isso!
Sim, as calças. Volto já. Que demónio seria cinzento antracite? Subi as escadas que levam ao primeiro andar da cantina velha, naquela tarde de 24 de Dezembro transformada em armazém de camisas, camisolas, almofadas, cobertores, sapatos, meias, collants para as senhoras, casacos,xailes, abafos vários. E calças. Haveria para ali calças de bombazina cinzento antracite? O absurdo do pedido desceu sobre mim e comecei a rir-me sozinha, enquanto tentava descobrir quais daquelas calças seriam cinzento antracite de entre a pilha das calças de homem.
É incrível as porcarias que as pessoas são capazes de doar quando ouvem falar em sem-abrigo. Na tarde anterior tinha estado a ajudar na triagem durante algumas horas mas tive de sair mais cedo, tão grande era a minha revolta perante a "generosidade" natalícia dos lisboetas: sapatos com buracos na sola nos quais cabiam à vontade dois dedos, meias rotas no dedo grande, camisas ostensivamente manchadas de lixívia e sem um único botão, luvas sem par. Se vivem na rua, que diferença faz?, deveriam eles pensar ao desfazer-se daqueles trastes. É claro que também havia quem desse roupa realmente quente e quase nova. A roupa que vinha num dos sacos tinha até as etiquetas ainda.
Para mim, naquele momento, nada mais interessava do que as tais calças de bombazina cinzento antracite. Era como se por um momento aquele velho sem-abrigo, doente e decrépito, fizesse realmente parte da sociedade, como se também ele tivesse direito a ser um consumidor exigente. Eu ia achar as tais calças, nem que passasse ali o resto da tarde.
Daí a pouco começariam os preparativos para a ceia de Natal, oferecida aos sem-abrigo pela Câmara Municipal de Lisboa. Bacalhau, é claro, como manda a tradição. Mas então lembrei-me dos milhões de pessoas por esse mundo fora que nem isso teriam naquela noite - uma ceia de Natal mais ou menos insípida servida num tabuleiro de uma cantina universitária. Vieram-me as lágrimas aos olhos. Enxuguei-os com a ponta da manga e pensei que pelo menos uma dessas pessoas hoje seria feliz. Se ao menos eu encontrasse as calças!...
Que houvesse pessoas a morrer à fome nos países do terceiro mundo era realmente muito triste, mas que habiantes da minha cidade, cidadãos do meu país, compatriotas meus, se vissem obrigados a dormir ao relento na noite de Natal era revoltante de tão injusto e sem sentido.Ora aí está aquilo a que chamam o quarto mundo, pensei, o terceiro mundo que vive no seio do primeiro, perante a indiferença desse primeiro mundo. No quarto mundo não há contingentes da ONU a fazer uso do direito de ingerência humanitária, nem Princesas a beijar crianças amputadas, nem televisões, nem angariações de fundos. Há apenas a mais perfeita e acabada expressão da falência do Estado social. Mas hoje haveria também calças de bombazina cinzento antracite, pois elas ali estavam!
Quarenta e cinco minutos depois ali estava eu, ofegante,com as calças na mão e um sorriso de orelha a orelha. O velho examinava as calças atentamente. De um lado, depois do outro, de frente e depois de trás. Sentia-me como perante o júri de uma oral.
- Menina, são bonitas, mas não me servem de certeza!
Quinta-feira, 6 de Setembro de 2007
- Desde a ultima cronica que fiz neste blog muita coisa se passou no mundo politico português. Muito mais que em termos futebolisticos ou de jet7, mas muito menos noticiado. Menos mal... o sound byte da politica portuguesa raramente tem bons resultados. E, no caso do partido da governação, não haver alarido é bom sinal.
- Entretanto no PSD contam-se espingardas. Afinal Menezes também tem barões, tem um apaelho mais fiel e empenhado e até tem tido a "colaboração" de jornais insuspeitos como o Diário de Notícias ou mesmo o Expresso. Mendes acredita ainda que consegue ser o mal menor e é nisso que, a acontecer, se vai resumir em significado a sua vitória.
- Nas restantes rentrées nada de novo, o BE tenta imitar a festa dos comunistas como modo de entrada no novo ano politico. Novidade apenas o não-comicio do PP e a introdução de novas tecnologias no discurso politico. Algo a ter em conta. Os comicios estão tão gastos quanto são ineficazes. È urgente reinventar a comunicação politica e o PP soube reconhecê-lo e executá-lo. Não esqueçamos é que não é com novas tecnologias que velhas e más politicas passam a boas.
- No panorama jovem muita coisa igualmente se passou. O arrendamento jovem, o RJIES, As propinas, o crédito a estudantes, etc... Tudo medidas a requerer atenção da Juventude Socialista e do NES/FDL. Atenção e acção...