O poder das minorias ou a letargia da maioria
Não posso deixar de expressar a minha profunda revolta pela eleição de Salazar como melhor português de sempre. Entristece-me. Choca-me. Enoja-me.
Mas, ao contrário do que se tem dito, não creio que essa vitória signifique que os portugueses deixaram de acreditar na democracia e querem voltar à ditadura. Quer tão somente dizer que se estão pouco lixando (desculpem o vernáculo). Como estão em relação a qualquer acto de cidadania, acto eleitoral ou tomada de posição em geral.
Creio que o que se passou em Portugal foi algo semelhante ao que sucedeu no mesmo programa no Reino Unido. Churchill saiu vitorioso desta eleição (ganhou a guerra, perdeu as eleições mas acabou por lhe ser feita justiça!), mas em segundo lugar ficou um engenheiro, totalmente desconhecido da grande maioria dos britânicos, cujo grande mérito parece ter sido fundar uma escola algures no reino de Sua Majestade. Acontece, pois, que todos os alunos, ex-alunos, professores, funcionários (e respectivas famílias) da dita escola tomaram a peito o projecto de eleger este desconhecido como o melhor britânico de sempre. E quase conseguiram...
A diferença essencial entre isto e o que se passou em Portugal foi que no Reino Unido houve uma verdadeira mobilização no sentido de corrigir um resultado final que se adivinhava ridículo. Houve centenas de correntes espontâneas de e-mails e mensagens a pedir a participação dos súbditos de Sua Majestade nesta eleição. E fez-se justiça, com a ajuda de milhares de cidadãos.
Por cá não vi nada disso. Ninguém se indignou verdadeiramente com a possibilidade de Salazar vencer. As pessoas viram isso como uma fatalidade, uma coisa indesejável mas que não estava verdadeiramente nas suas mãos mudar. Já para a extrema direita foi um fartote: desde mensagens enviadas ao cidadão incauto incitando-o a ligar para o número do ditador (supostamente um número que permitia reclamar um prémio) até à aquisição de vários cartões de telefone com o único intuito de votar nele. Isto porque cada número podia votar uma e uma única vez. Valeu tudo. E honra, lhes seja feita, organizaram-se e conseguiram o que queriam. Com os métodos desonestos que lhes são característicos, mas conseguiram...
Eu não fazia tenções de votar nesta eleição. Acho estúpido salientar um de entre tantos grandes portugueses que fizeram e fazem deste um grande país. Sobretudo num programa de televisão. Fiquei indignada por Mário Soares não estar entre os dez finalistas, mas essa já é uma outra história... Mas, seja como for, a nomeação de Salazar levou-me a votar. Em Camões. Contra Salazar. Acho que era isso que se pedia aos portugueses: que votassem contra Salazar. Como acto de civismo e democracia. E foi isso que eles não fizeram. Não foram 46% dos portugueses que elegeram Salazar mas 46% dos portugueses que se interessaram pelo assunto...
Estou triste, muito triste com este resultado. Não porque ache que ele signifique que os portugueses querem voltar à ditadura mas porque mais uma vez não conseguiram mobilizar-se em torno de uma causa comum.
Apetece-me terminar com um verso de Ary dos Santos. Parece-me bem a propósito recordá-lo. "Agora ninguém mais cerra/as portas que Abril abriu!".
P.S.: Nem mesmo o PNR pode cerrar as portas que Abril abriu! O seu hediondo cartaz do Marquês, entretanto convenientemente vandalizado, está agora ladeado por um brilhante cartaz do "Gato Fedorento". Passem por lá para ver. Vale a pena. Até porque parece que não vai lá ficar muito tempo, pois não tem a necessária licença camarária...